quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A intolerância do governo/Carnaval



Para dar a ideia de rigor, trabalho, competência e vontade de resolver a crise, o governo decidiu não dar tolerância de ponto aos funcionários públicos, no dia de Carnaval. Foi, quanto a mim, uma medida completamente errada. É daquelas em que “sai o tiro pela culatra”. Não bastava ter eliminado já uns quantos feriados civis e religiosos, impor austeridade a torto e a direito e agora ainda se armar em “desmancha-prazeres” tornando-se mais uma força de bloqueio aos valores e tradições culturais e sociais deste país! O Carnaval é, diga-se a verdade, um feriado que não é carne nem é peixe, não está declarado, explicitamente, como feriado assumido. Sempre foi tradição suspender o trabalho para dar lugar à folia mas, sempre com aquele ar do papá para o menino: “Vá lá, hoje portaste-te bem vai lá brincar um bocadinho com os teus amigos!”, enquanto os outros feriados são, indiscutivelmente, dias de folga, embora, ironicamente, talvez, menos participados.
O Carnaval faz parte do calendário religioso que só faz sentido no contexto das outras vivências, compromissos e acontecimentos marcantes da vida de um cristão. Toda a gente sabe que o Carnaval é um dia de festa, de excesso, de folia e de gozo, mas no dia seguinte começa a Quaresma, um tempo que deve ser de penitência, oração, recolhimento e meditação, em que se celebra a Paixão e morte de Cristo, com o objectivo de chegar à conversão e emenda de vida (deixar a vida de pecado). Culmina com a Páscoa e ressurreição, o acontecimento mais importante para um cristão.
Eu gostaria de saber quantos foliões, de norte a sul do país, se apresentam na igreja, na quarta-feira de cinzas, vergando-se sob o peso dos pecados, marcando a testa com a cinza sagrada, em sinal da humilde condição, tomando consciência de que o corpo que, antes se entregou à folia sem limites, não passa de um pouco de cinza, terra, pó e nada. Será que todos e todas as que desfilam nos carnavais de todo o mundo se entregam no dia seguinte à penitência, abstendo-se de certos prazeres mundanos, mortificando o corpo e sofrendo privações? Duvido muito.
Se é verdade que os portugueses são, por tradição e maioritariamente, cristãos, católicos apostólicos romanos, não é também verdade que, hoje, a maior parte não vai à missa e pouco ou nada faz segundo os preceitos da igreja? Porquê, afinal, tanta polémica com a intolerância do governo em relação ao Carnaval? Afinal, o governo agiu de forma lógica e coerente. O primeiro-ministro terá pensado: “os portugueses não trabalham, não ajudam a resolver a crise! Estou-me, eu aqui, a esfalfar para quê?! Estão muito mal habituados! Só querem greves e dinheiro ao fim do mês?! São uma cambada de ateus, que nem nas suas orações posso confiar para resolver o problema do défice! Vou dar tolerância de ponto, o tanas! Vão todos trabalhar, e ‘mai nada’!”
Além disso, o Carnaval é para os verdadeiros católicos, os que têm muitos pecados, mas são solidários com a Paixão de Cristo e acreditam na ressurreição como a libertação da morte e do mal. (Lembram-se do filme? Eu teria morrido logo à primeira chicotada!)
Não deixa de ser estranho que um certo grupo de deputados, assumidamente ateus ou agnósticos, presumo, em função das teses que defendem, venham agora propor que o Carnaval seja incluído, definitivamente, no calendário dos feriados oficiais obrigatórios. Alegam que, até a GNR organiza uma operação especial de vigilância e controlo do trânsito como o faz no Natal, na Páscoa ou noutras datas importantes ao longo do ano. Por outro lado dizem que o Carnaval é uma tradição cultural portuguesa, contribui para o turismo e para a economia e não faz sentido metade do país passar o dia a divertir-se e a outra a metade a trabalhar. Pois, não se lembraram de dizer que o Carnaval é uma festa religiosa e retrata a condição humana crente e pecadora. São dos tais que no dia seguinte não sujam a testa com cinza.
Não passa de um mero oportunismo político: querem mais um feriado para comemorar uma festa em que não acreditam e não lhes diz nada, só para ganharem mais votos e roubarem popularidade ao primeiro ministro.

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