domingo, 11 de janeiro de 2009

Notas sobre a avaliação dos professores


Esclarecimento
(O professor e o pedreiro)
Todos os professores aceitam ser avaliados, como, aliás tem acontecido até hoje. Isto não quer dizer que o actual modelo seja perfeito e que não possa ser substituí por outro melhor. Do que ninguém duvida é que o modelo que está a ser imposto pelo actual governo socialista é impraticável, burocrático e completamente injusto. Nele, pouco ou nada se aproveita. O governo tem-se servido da teimosia, da prepotência e da falta de diálogo para tentar convencer os portugueses de que tem a razão do seu lado, tentando colocar a opinião pública contra os professores, fazendo passar a ideia de que os professores não querem ser avaliados, etc. Convém, por isso, esclarecer toda a gente do real problema da avaliação dos professores, contra o qual tanta tinta tem corrido desde há algum tempo a esta parte. Para isso vamos comparar o trabalho do professor ao do pedreiro que, mutatis mutandis, apresenta muitas semelhanças. (ver imagem/quadro comparativo)


Se o Ministério das Obras Públicas quisesse aplicar um modelo de avaliação de desempenho dos pedreiros, idêntico ao que o Ministério da Educação quer aplicar aos professores aconteceria o seguinte:
Os pedreiros seriam divididos em duas categorias: pedreiros titulares e não titulares com base num critério aleatório e injusto como, por exemplo: os titulares seriam aqueles que nos últimos sete anos tinham aplicado tijolos, massas finas nos rebocos, construído salas de jantar e salas de estar, tinham tirado níveis, feito os acabamentos nos tectos e telhados e transmitido recados aos patrões.
Por sua vez, os não titulares tinham trabalhado, predominantemente, nos alicerces, em pavimentos, aplicado blocos, massas toscas nos rebocos e tinham feito paredes de grandes dimensões, cozinhas e casas de banho.
A partir dali, alguns pedreiros titulares iriam fazer parte de uma Comissão de Avaliação de Desempenho dos Pedreiros cuja função seria organizar e avaliar todo o seu desempenho profissional. Os pedreiros iriam ser convocados pelo empreiteiro da obra para uma reunião onde seriam informados dos procedimentos que, a partir daquela data, teriam que cumprir para serem avaliados. Segundo a lei, os pedreiros teriam que ser avaliados pelo encarregado da obra, pela Comissão de Avaliação e pelo dono da obra, se o desejassem, em função do próprio trabalho de construção e edificação de muros, paredes, reboco, etc., pelo grau de cumprimento dos objectivos e pela assiduidade e organização do trabalho.
De imediato, a contestação iria começar com manifestações e outro tipo de protestos. O calendário das actividades indicaria, como primeira tarefa, a planificação de todo o trabalho, (os professores sempre fizeram planificações) primeiro a longo e a médio prazo e quando um pedreiro fosse observado para efeitos de avaliação teria que apresentar um plano de trabalho para esse dia. Outra tarefa seria a definição dos objectivos individuais.
Como consequência dos protestos o Ministério das Obras Públicas faria algumas alterações para diminuir a burocracia (apenas durante o primeiro ano) e os pedreiros só seriam avaliados nas tarefas de edificação e construção se quisessem obter a qualificação de excelente ou muito bom e assim subirem ao escalão seguinte, caso o número de vagas o permitisse; para alcançar a menção de bom, ficando no mesmo escalão a ganhar o mesmo, bastaria picar o ponto todos os dias, ter um bom relacionamento com os colegas, manter uma boa organização do trabalho e deixar a talocha e a colher de pedreiro bem arrumadas, no fim de cada dia de trabalho.
Assim, ao chegar ao local de trabalho, o pedreiro teria que preencher uma série de formulários e grelhas onde teria de definir os objectivos individuais em relação a todas as tarefas a realizar: objectivos individuais para o alicerce da obra, para a construção dos pilares e dos lintéis, para o assentamento dos tijolos, onde deveria indicar quantos tijolos teria que “assentar” nesse dia, quantas betoneiras de massa seriam precisas, qual a qualidade e o tipo de areia e quantos sacos de cimento iria utilizar. Além destes objectivos teria de indicar os objectivos sobre o relacionamento com o fornecedor de materiais, com os colegas e vizinhos da obra e com a sua actualização e formação profissional na área da construção civil. No fim do ano teria de fazer uma autoavaliação indicando os aspectos em que teria falhado, os erros cometidos, isto é, todos os objectivos não cumpridos. No fim do ano, o Ministro das Obras Públicas teria verificado que muitos objectivos não tinham sido cumpridos e, por isso, aquele pedreiro não poderia obter a menção de muito bom ou excelente, ficando no mesmo escalão. Todas estas tarefas teriam que ser preenchidas em grelhas, desde o princípio ao fim.

Caso, grande número de pedreiros obtivesse a menção de excelente e não houvesse vagas para todos, teria de se proceder ao desempate e os excluídos teriam que voltar à menção de bom.
Entretanto, um dos pontos de contestação dizia respeito ao facto de, em algumas obras, o pedreiro titular ter menos formação prática e teórica do que os outros pedreiros pelo que eles iriam ser avaliados por alguém com menor habilitação. Outro problema: não havendo numa obra nenhum pedreiro titular, todos os pedreiros seriam avaliados pelos electricistas titulares, canalizadores titulares ou estucadores titulares, profissionais de uma área de especialização diferente da do pedreiro. Que percebe um electricista de reboco? Perante isto o Ministério das Obras Públicas teria feito as alterações adequadas ao modelo de avaliação que antes era considerado perfeito.
Conclusões: se um pedreiro tivesse que fazer tudo isto, que tempo lhe restaria para assentar um ou dois tijolos por dia?
Que tipo de relacionamento passaria a existir na obra? Confiança e entreajuda entre os operários ou inveja, desconfiança e isolamento?
Que valor teria a competência e a experiência profissional de um pedreiro se lhe fosse exigido uma justificação e avaliação para cada gesto que fizesse?

Que valor tem a formação académica e profissional de um professor se o Ministério desconfia se ele trabalha bem? Para quê exigir objectivos individuais se o trabalho é realizado na escola, seguindo os objectivos de aprendizagem já enunciados no programa da disciplina, nas planificações e no Projecto Educativo? A menos que o Ministério da Educação queira que os professores levem os alunos para casa e os ensinem em função de programas próprios. Só assim seriam legítimas as seguintes perguntas, a um professor: “O que é que vai ensinar a esses alunos que leva todos os dias para sua casa?” “Que objectivos tem nesse ensino?” “O que quer fazer desses alunos?”
Por outro lado, como poderia um pedreiro garantir a realização de todos os objectivos numa obra, se aos fins-de-semana os “vândalos” destruíssem uma parede, manchassem um reboco ou deitassem abaixo um pilar ainda fresco? Como poderia um pedreiro garantir o cumprimento de todos os objectivos individuais se a areia estivesse podre, o cimento estragado e os tijolos a desfazerem-se?
Como pode um professor garantir o cumprimento dos seus objectivos numa sociedade corrompida, sem valores e onde outros agentes mais poderosos anulam e destroem o seu trabalho?


Penso ter esclarecido o problema da avaliação dos professores e a razão pela qual rejeitam este modelo. Não é só uma questão política mas antes uma questão de dignidade humana e profissional e de cidadania.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

A anarquia subiu ao poder

Lealdade não implica obediência

Os professores têm, finalmente, a chave para resolver o braço de ferro que mantêm com o governo sobre a avaliação do desempenho. Basta seguir o paradigma, a atitude e o exemplo do senhor primeiro-ministro, José Sócrates: não obedecer. (
ver entrevista à SIC no dia 5-1-09)
Os professores poderão continuar a ser leais para com o governo e para com o Ministério da Educação: lealdade não implica obediência. Se o senhor primeiro-ministro tem a liberdade e o direito de interpretar, à sua maneira, a lei fundamental do país, a Constituição, porque é que os professores não podem fazer o mesmo em relação a um simples diploma que pretende, apenas e tão só, regular o modo como trabalham e se relacionam com os alunos?
Se o governo considera que o seu modelo tem como finalidade fazer uma “avaliação dos professores justa, séria e credível, que seja realmente capaz de distinguir, de estimular e premiar o bom desempenho”, que “constitui, na perspectiva do Governo, um instrumento essencial para a valorização da profissão docente e um contributo decisivo para a qualificação da escola pública” (Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009 de 5 de Janeiro), eu e todos os professores temos a liberdade e o direito de considerar, precisamente, o contrário: que a sua finalidade é, pura e simplesmente, economicista, que não é justa, nem séria, nem credível; que não distingue, não estimula e não premeia o bom desempenho; que não valoriza a profissão docente e contribuirá para uma maior degradação da qualidade da escola pública, minando a relação entre os professores. É apenas uma questão de interpretação e de opinião. Opinar não ofende. Penso que já acabámos com os delitos de opinião, há mais de trinta anos.
A partir de hoje nenhum professor terá qualquer receio de afrontar o governo se se recusar a aceitar um modelo de avaliação de desempenho que considera injusto já que não se trata de uma afronta mas, simplesmente, de uma divergência. Nenhuma instituição escolar, que desobedeça, fará qualquer afronta ao Ministério da Educação mas apenas uma simples divergência de opinião. Se todos os professores desobedecerem ao governo, seguindo o exemplo de Sua Excelência, o senhor primeiro-ministro, José Sócrates, estão a fazer uso de uma "democracia madura" e nem será preciso tomar qualquer outra forma de luta. A solução para o problema está encontrada.
Se o próprio primeiro-ministro e a maioria de dois terços dos deputados da Assembleia da República, que são os máximos representantes do povo, afrontam o senhor Presidente da República (na aprovação do estatuto dos Açores) considerando que não são obrigados a obedecer-lhe e que isso não constitui uma falta de lealdade, porque é que todos os cidadãos, incluindo os professores, não têm o direito de fazer o mesmo sobre o diploma da avaliação?
Se a Constituição da República pode ter diferentes interpretações porque é que todas as outras leis inferiores àquela, que nos regem, não as podem ter? A partir desta data, nesta legislatura, ficou criado o "princípio da desobediência institucional".
Assim, o senhor secretário de Estado Jorge Pedreira não terá argumentos para ameaçar os professores com penalizações ou processos disciplinares.
A Constituição afirma, no seu Artigo 1.º que “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Ora, os professores já exprimiram, de forma clara, a sua vontade em relação ao modelo de avaliação. Essa vontade tem que ser respeitada. Só assim a sua dignidade pode ser defendida. Esta é a minha interpretação do artigo primeiro da Constituição da República Portuguesa!