sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Carta aberta a José Sócrates

Ex.mo Senhor,
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa,


Sou um cidadão português indignado e revoltado por ter o primeiro-ministro que tenho, porque me parece que o senhor, que ocupa o honroso cargo de primeiro-ministro, não tem, de facto, dignificado o cargo, a pessoa que o detém, nem o país. No uso da minha liberdade e no exercício de todos os direitos cívicos, políticos e de cidadania decidi dirigir estas palavras a V. Excelência porque não posso mais calar esta revolta, esta mágoa e esta indignação.
Há largos anos que o senhor é suspeito ou, pelo menos, o seu nome aparece ligado a uma série de “casos”: de irregularidades, ilegalidades, falsidades, se não mesmo, crimes de corrupção e atentado ao Estado de Direito. Há muito tempo que espero que todos estes casos sejam, definitivamente, encerrados e esclarecidos com uma clara declaração e comprovação de inocência ou de culpa. Mas nada disso tem acontecido.
A verdade, como afirmou V. Excelência, vem sempre ao de cima, mas pelos vistos, parece que ainda está a grande profundidade. No chamado “caso Freeport” que foi dado como concluído recentemente, afinal, parece que “a procissão ainda vai no adro”.
“Mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo”, diz o povo, mas, parece-me que isso nunca acontecerá com a ajuda da Procuradoria Geral da República, dos seus Procuradores e das suas demoradas investigações.
Senhor José Sócrates, ao longo de todos estes anos de investigação do caso FreePort, ao qual o nome de V. Excelência está fortemente ligado, que já foi arquivado e reaberto mais do que uma vez, sobre o qual muitas notícias referiram factos que, alegadamente, comprometem V. Excelência, onde foram referidas pressões sobre os investigadores, sobre o qual me parece que os próprios investigadores não se entendem e o Senhor Procurador se reconhece desautorizado, sentindo que tem o poder da Rainha da Inglaterra, em que um despacho, inédito, dá o caso como concluído, indicando por outro lado, que houve investigações e inquirições que não foram realizadas e os procuradores tiveram que negociar com o DCIAP, em que a própria directora do DCIAP declara que as perguntas que não foram feitas não iriam alterar o teor do despacho, não parece a V. Excelência que todas estas confusões descredibilizam toda a investigação e que parece que ninguém está interessado em apurar a verdade dos factos? Não parece a V. Excelência que é a própria directora do DCIAP, em quem os procuradores não têm confiança, segundo notícias recentes, que está a bloquear tudo e a proteger V. Excelência? Como é que a directora do DCIAP se arroga o direito de adivinhar as possíveis respostas às vinte e sete perguntas a que V. Excelência não respondeu dizendo que não iriam alterar a conclusão do despacho? Não parece a V. Excelência que as investigações que falta fazer seriam fundamentais e poderiam comprometer V. Excelência seriamente, como, por exemplo, as investigações sobre o destino das avultadas quantias que os promotores ingleses do FreePort declararam ter pago para que a obra se fizesse?
Se se confirmar que tenha existido uma protecção especial sobre V. Excelência por parte dos agentes da Justiça, o que seria de extrema gravidade, que consequências deverão ser retiradas?
Para além de todas estas confusões e pela demora deste processo, parece-me que a forma como V. Excelência trata este assunto contribui, ainda mais, para avivar o descrédito e a desconfiança que eu sinto em relação à descoberta da verdade.
V. Excelência, senhor José Sócrates, foge ao assunto, desvia-se o mais que pode, não mostra estar à vontade para encarar comentários ou questões sobre a matéria e tem passado o tempo a vitimizar-se, que sofre ataques pessoais de forma injusta, tal como a sua família, etc. Uma situação, além de outras semelhantes, que me leva fazer todas estas considerações, foi a declaração “oficial e solene” que V. Excelência proferiu no fim de Julho pp. para reafirmar a inocência logo que o DCIAP deu o caso por encerrado. V. Excelência não deu qualquer oportunidade aos jornalistas para que fizessem perguntas. Concluído o discurso, desapareceu, imediatamente, de cena. Porque é que V. Excelência não permaneceu na sala mais uns minutos? Porque é que não se dispôs a responder a eventuais perguntas dos jornalistas? Porque é que não ficou calmo, sereno e seguro da inocência, saboreando o triunfo e os louros da vitória sobre os caluniadores, em vez de se pôr a milhas? Tinha muita pressa ou sentia a consciência intranquila? Esta atitude diz tudo, senhor José Sócrates.
Parece-me que, de facto, V. Excelência tem a consciência pesada e se pudesse ficaria sempre na sombra ou se meteria num buraco. Só vemos V. Excelência na ribalta para inaugurar uma pequena barragem ou uma nova estrada, mas sempre com muita pressa, servindo as inúmeras viagens como momentos de evasão. Por outro lado, parece-me muito estranho que V. Excelência condicione, combine previamente e limite os temas de uma entrevista como ficou demonstrado na última campanha eleitoral. Um cidadão que ocupa o alto cargo de primeiro-ministro não deveria estar, completamente, à vontade para responder a tudo o que lhe for solicitado sobre a governação de um país?
Confesso-lhe, senhor José Sócrates, que as atitudes de V. Excelência, a postura, a forma como aparece em público e as suas declarações de inocência não me convencem e fico sempre com mais dúvidas do que tinha antes. Parece-me que V. Excelência foge da comunicação social como se tivesse medo das perguntas e por isso dá a entender que tenta evitar o mais possível essas oportunidades. A impressão com que fico quando vejo V. Excelência a proferir declarações de que não mentiu (no caso PT/TVI), de que a verdade veio ao de cima, que foi alvo de calúnias, vitimizando-se, a minha impressão é de que tudo é pura falsidade e encenação.
V. Excelência não me inspira nenhuma confiança porque me parece que o senhor se compromete mais e mais cada vez que se pronuncia sobre a sua própria inocência. As palavras que profere soam-me todas a oco. A minha impressão é de que os gestos de V. Excelência e o sorriso forçado e artificial são francamente denunciadores de toda essa falsidade.
Senhor José Sócrates, se V. Excelência é, de facto, inocente, reconheço que tem sofrido, injustamente, muitas calúnias e ataques ao longo destes anos mas se, pelo contrário, é culpado, o senhor não terá outra alternativa senão confessar a verdade. Quer seja inocente ou não, esta novela terá que ser definitivamente encerrada para que V. Excelência deixe de ser eternamente suspeito e deixe de ser atacado e caluniado até ao fim dos seus dias.
Em vez de declarações piedosas de que está inocente, em que muitos, como eu, não acreditam, V. Excelência terá que apresentar provas inequívocas desse facto: sacrifique um pouco a sua privacidade, mostre as suas contas bancárias, prove que ganhou a vida honestamente e que não recebeu qualquer suborno, mostre todos os documentos que comprovem esses factos e poderá passar a viver livre de qualquer suspeita e calar todas as vozes acusadoras. Não há coisa mais democrática do que a verdade da matemática, limpa, justa, isenta, clara e transparente. Lanço um grande repto a V. Excelência, um enorme desafio: tome essa arrojada decisão para calar todas as vozes maldizentes e provar que todas as declarações de inocência são autênticas, que o veredicto final do DCIAP é verdadeiro, mostrando todas as fontes de receita que V. Excelência auferiu ao longo dos anos a que se referem as acusações. Esse grande gesto de V. Excelência, de enorme surpresa e transparência, tornará inúteis todas as investigações feitas até hoje. A verdade documental falará mais alto. Não terá grande dificuldade porque ninguém como um primeiro-ministro terá uma contabilidade tão organizada, tão clara e transparente. Responda a todas as dúvidas sobre o que já foi e o que ainda falta investigar. Lembre-se senhor José Sócrates de que pior do que a “longa noite fascista” da nossa História recente, só esta longa noite de confusão obscurantista da Justiça do caso FreePort e  dos restantes. O assunto é sério e grave. Não podemos continuar a perder tempo, a consumir os recursos do país e a desgastarmo-nos com esta ditadura da dúvida, da ignorância e da suspeição.
Caso não seja possível apresentar documentação credível, senhor José Sócrates, V. Excelência terá que perder o medo, encher-se de coragem e confessar tudo. O povo julgou-o nas urnas com um programa cheio de promessas, sem processo organizado, mas o país está às avessas e com o seu chefe descredibilizado.
Compreendo que não é fácil confessar, depois de ter passado todos estes anos a clamar por inocência. Mas ninguém está acima da lei. Muitos outros políticos, ao longo da História, foram parar atrás das grades. V. Excelência não será pioneiro nessa matéria. Não se sinta agarrado ao Poder como se fosse alguém insubstituível. Ainda há muita gente neste país com sabedoria e capacidade para ocupar, talvez com mais competência, o cargo que deixar vago. Se V. Excelência é mesmo culpado, o senhor sabe-o melhor do que ninguém, a questão da privacidade é uma questão menor. Perante este “pecado social”, “valores mais altos se alevantam”.
Sinto uma enorme vergonha de ser governado por um primeiro-ministro em quem grande parte do país não acredita. Todos nós temos o dever de transparência e de honestidade e com muito mais razão quem detém o cargo de primeiro-ministro.