segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Carta aberta ao senhor Presidente da República II

Exmo. Senhor,
Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa,

No fim do passado mês de Abril, enviei uma carta a V. Excelência em que referi algumas razões fortes para demitir este governo e questionei se não seriam razões mais do que suficientes, mas V. Exa não demitiu o governo nem se dignou a responder-me. Essas razões não só se mantêm como se reforçaram e surgiram outras igualmente graves e poderosas. Escrevi em Abril que o governo é ilegítimo, prometeu virar a página da austeridade mas fez o contrário e, depois disso, tomou outras medidas discriminatórias, injustas e antidemocráticas que restringem e condicionam a liberdade dos cidadãos.
1. Virar a página da austeridade? – Senhor presidente, recordo que o senhor António Costa prometeu virar a página da austeridade, aumentar o rendimento das famílias e fez a sua campanha eleitoral com o slogan: “É tempo de confiança”, mas perdeu as eleições. Que confiança? O tempo tem-me dado razão. Cada novo governo que sobe ao poder, seja ele qual for, aumenta os impostos e o país continua cada vez pior. O senhor António Costa prometeu que ia inverter esta situação mas falhou. Temos o direito de nos revoltar. É tempo de dizer basta! Quem pode confiar neste governo e neste primeiro ministro que fez, precisamente, o contrário daquilo que prometeu? Onde está o homem de palavra? Como podem os portugueses aceitar esta enorme burla? Fomos todos enganados! Usou ainda o slogan: “prometemos, cumprimos” só para iludir o povo! Cumprimos?! O orçamento para 2017 é a prova clara da mentira e da falsidade deste governo. A minha expectativa era que alguns impostos fossem aliviados e outros eliminados. Não só não foi cumprida a promessa de não aumentar os impostos como ainda os agravou e criou outros. Tudo o que consumimos e possuímos paga cada vez mais impostos: o açúcar, o património, os combustíveis, os automóveis, o alojamento, etc. Alguns destes impostos são inconstitucionais. Os pássaros têm os seus ninhos, a raposa, a sua toca, porque é que nós não podemos ter uma almofada para reclinar a cabeça? Admite-se que agora, os portugueses paguem impostos, mesmo quando estão a dormir?! Já não se trata de uma cobrança legítima, mas de um autêntico saque! Quem construiu uma casa para a velhice mas deixou de ter os rendimentos que já teve, vai ter de vender a casa? Com que direito se tributa um bem que já foi tributado na construção e na aquisição?
Este orçamento, tal como o governo, é uma verdadeira arte de ilusionismo. O que vale dar uns míseros aumentos nas pensões, uns cêntimos aqui e ali, se tudo se esvai no agravamento dos impostos e na subida do custo de vida? O governo dá com uma mão mas, depois tira muito mais com a outra.
Prometer não aumentar os impostos não é como: “Ah! No próximo ano não me vou esquecer do aniversário do nosso casamento! Prometo! Está bem?”. Esta enorme fraude, o ter faltado à palavra dada, esta grande mentira não é razão mais do que suficiente para demitir este governo, senhor Presidente da República? O senhor presidente fica de consciência tranquila perante um autêntico crime de burla, feito a mais de dez milhões de portugueses? Pode o senhor presidente, como supremo provedor do cidadão, como defensor dos mais elementares valores éticos que são a base do Estado de Direito, pactuar com esta situação?
Em vez de nivelar por baixo, senhor presidente, exija nivelar por cima e faça funcionar a justiça, exija um “Carlos Alexandre” em cada concelho ou freguesia, com todos os meios disponíveis para que os grandes ladrões reponham os inúmeros milhões que roubaram e para que o povo deixe de ser mais explorado e sacrificado com impostos. Acabe com as reformas e subvenções de toda a classe política para quem ainda não atingiu a idade da reforma. Acabe com as elevadíssimas, insultuosas e escandalosas remunerações de certos gestores públicos que são uma afronta a quem aufere um ridículo ordenado mínimo, a quem está no desemprego ou a quem tem pensões de miséria!
Com este orçamento, um assalto brutal do Estado aos bolsos dos portugueses, vale a pena que um pedreiro se levante cedo para trabalhar? Vale a pena que pegue na colher e na talocha, que suje as mãos, que ponha a massa, que use o fio-de-prumo, a linha, o nível, se dedique e seja exímio, seja perfeito, para chegar ao fim do dia, do mês ou do ano, cansado e frustrado e verificar que andou a trabalhar em vão porque o que julgava seu, o fruto do seu trabalho, lhe foi extorquido sem justificação, para alimentar uma trupe de incompetentes e ignorantes que julgava serem gente de confiança? Vale a pena que o comerciante abra a sua loja e atenda os seus poucos clientes, com um sorriso nos lábios, quando sabe que grande parte do pouco que ganha lhe é subtraído em impostos cada vez mais pesados e injustos? Vale a pena que o feirante saia de casa antes de nascer o sol, monte a sua tenda e descarregue a mercadoria para ficar à espera de clientes que não aparecem porque a população em idade activa foi obrigada a emigrar e a que ficou vive na miséria? Vale a pena que o agricultor pegue na enxada? Vale a pena que o povo se esforce para sobreviver e ver o Estado a extorquir-lhe quase tudo o que ganha? Vale a pena que o povo acumule algum dinheiro para ser considerado criminoso? Não é preferível não ser dono de nada, não procurar emprego e viver de tanga, às sopas do Estado? Que governo é este que promove o parasitismo à sua imagem e semelhança?
2. Educação livre e universal? – No domínio da educação o governo assumiu uma postura discriminatória, sectária e anti-democrática ao restringir e condicionar a liberdade de opção, a todos os cidadãos, entre escolas públicas e escolas privadas. Ao afirmar que “quem escolher os colégios que os pague” o governo está a condicionar escandalosamente a liberdade e o direito das famílias de optarem pela escola onde desejam que os seus filhos estudem. Significa isto que este governo só existe ou só conta para uma parte dos portugueses. É um governo de facção: “Os outros que se governem”. Mas “os outros”, os que, eventualmente, escolherem escolas privadas também são portugueses e também pagam impostos. As famílias mais pobres não têm o mesmo direito de optar por pôr os filhos num colégio? Os alunos que estudam nos colégios não são portugueses e não têm direito, também, a livros gratuitos? Porquê? Se todas as escolas, públicas ou privadas, cumprem o mesmo programa oficial do Ministério da Educação e prestam o mesmo serviço público aos alunos, por que razão o Estado exclui as privadas e apoia apenas as estatais? Não há, aqui também, direitos adquiridos que devem ser garantidos? Pode o Estado descartar uma escola como quem deita o resto do almoço para o lixo? Se houver dois transportes colectivos de passageiros que prestem o mesmo tipo de serviço público por que razão há-de o Estado apoiar e financiar só o transporte estatal e excluir o privado? Afinal, este governo é para todos os portugueses ou só para alguns, para os amigos, para os do partido e simpatizantes? Esta atitude discriminatória, de falta de isenção, de objectividade e de universalidade não é uma razão mais do que suficiente para demitir este governo, senhor Presidente da República?
3. Aborto e educação – Que liberdade? – Em terceiro lugar, senhor presidente, associada a este grave atentado à liberdade na educação está outro ainda mais grave, mais injusto e mais absurdo: como se explica que uma mãe que opte por fazer um aborto tenha todo o apoio deste governo (a 100%), possa optar por fazê-lo em qualquer unidade de saúde pública ou privada do território nacional, com recomendações explícitas pela própria lei de que nada falte ao nível da coordenação de meios e de serviço e uma mãe que opte por criar e educar um filho seja confrontada com míseros abonos de família, fracos apoios do Estado e não tenha liberdade de escolher a escola, pública ou privada, onde quer que o seu filho estude? Esta não lembraria ao diabo, senhor presidente. Liberdade total para matar: sim; liberdade para criar e educar: não. É a subversão total da ordem natural das coisas. Isto é gravíssimo e a Filosofia confirma esta enorme barbaridade e perversidade. Isto não é uma razão mais do que suficiente para demitir este governo, senhor Presidente da República?
4. Liberdade? E a responsabilidade? – Todos os alunos que estudam Filosofia no ensino secundário aprendem, no décimo ano, quais as principais características específicas da acção humana: consciente, voluntária, livre, deliberada, intencional e motivada. Apesar das polémicas entre liberdade e determinismo afirmamos que o ser humano é livre nas suas acções. Ensinamos também aos alunos que a liberdade implica, forçosamente, a responsabilidade o que significa que o ser humano deve assumir as consequências das suas acções. Identificamos também os conceitos de responsabilidade pessoal, social e profissional e que cada profissão, em geral, obedece a um código deontológico que impõe um dever moral segundo o qual qualquer profissional se compromete a fazer o melhor que sabe e pode no exercício da sua profissão com vista ao bem do cliente ou bem público. Partimos do princípio de que um primeiro ministro age de forma livre, intencional e consciente e, por isso, sabe perfeitamente aquilo que faz. A responsabilidade de um primeiro ministro não se compara com a responsabilidade de qualquer outro profissional ou cidadão comum a nível pessoal, social e profissional. Mas qualquer cidadão comum sabe que tem que se responsabilizar por aquilo que faz. E os políticos, em geral e este primeiro ministro, não sabem disso? É tempo, senhor presidente, de pedirmos também responsabilidade a toda a classe política. Como pode um governo apoiar e financiar a morte (aborto) despenalizando uma acção (despenalizar significa retirar o castigo), que sabe que é criminosa (tem consciência disso), sem assumir as suas responsabilidades? O senhor presidente já imaginou o mal que esta acção governativa está a causar ao país a nível económico, social e geracional? (Por que não despenalizar outros crimes muito menos graves como o excesso de velocidade, o excesso de álcool, os pequenos furtos, as injúrias, etc.?) Não se pode governar um país irresponsavelmente e ficar impávido e sereno se o país for conduzido para o abismo. Não devemos exigir responsabilidade a quem é culpado pela destruição das gerações futuras? Se já sabemos que o PS é o “partido da bancarrota e do pântano” (basta ver as contas do próprio partido), se, pelo passado sabemos claramente o desfecho da sua política e se, por outro lado, não ganhou as eleições, (é ilegítimo) por que razão havemos de acreditar neste governo, neste primeiro ministro sem palavra, no seu orçamento e na sua política? Apesar de muita gente considerar que muitos animais são mais inteligentes do que os seres humanos, sabemos ou partimos do princípio de que nenhum animal age de forma livre e responsável e por isso ninguém, até hoje, pediu responsabilidade a qualquer animal pelas consequências dos seus actos. Vamos continuar a considerar a classe política, em geral e este governo em particular, como animais irracionais e irresponsáveis? Não está aqui mais uma razão forte para demitir este governo, senhor Presidente da República?
5. Governo para a vida ou para a morte? – Não precisamos dos conhecimentos da Filosofia para condenar a barbaridade do aborto e o desprezo que este governo tem pela vida e pelas gerações futuras. Perante as naturais dificuldades, o povo, nos seus adágios, mostra a sua coragem e fortalece o seu ânimo com a afirmação indiscutível: “vamos à vida que a morte é certa” (o governo não sabe isso?) e, por isso, qualquer homem do campo, mesmo analfabeto, se empenha e se esforça para ter o máximo de sucesso no trabalho. É sabido que uma fraca colheita só traz ruína, fome e miséria. Nenhum agricultor mata a sementeira que germina na terra. Pelo contrário, trata-a com todo o cuidado. Um campo de milho ou de centeio valem mais do que a “sementeira humana”? Como é que pode haver crescimento económico num país sem vida (humana) a germinar e a frutificar? Porque é que há tantas insolvências, falências e crédito mal parado? Para quê anunciar x milhões em investimento se a semente morre ao germinar? Como é possível que o governo dê incentivos à natalidade se ao mesmo tempo financia o aborto, isto é, a morte das gerações futuras? Afinal, este governo governa para a vida ou governa para a morte? Pode governar para os dois lados?
Por outro lado, não é completamente absurdo que o governo apoie o aborto mas queira aplicar um imposto sobre os refrigerantes só porque podem fazer mal à saúde? Temos aqui a prova da maior falsidade e hipocrisia. Esta também não lembraria ao diabo, senhor presidente. Já imaginou o senhor primeiro ministro num hipotético diálogo com uma mulher (uma cena caricata, improvável, mas possível):
- “Se optares pelo aborto, o Estado paga tudo, não tens que te preocupar!
- Obrigada, senhor primeiro ministro! Mas porque é que acabou com as taxas moderadoras sobre o aborto e vai criar um imposto sobre os refrigerantes?
- Ah! Os refrigerantes, com um certo teor de açúcar, podem fazer muito mal à saúde! É preciso ter muito cuidado!”
A hipocrisia não tem limites e encontra-se em muitas outras situações como as restrições ao tabaco, algumas infracções ao código da estrada, etc., considerados crimes graves que são castigados severamente, enchendo os cofres do Estado, enquanto o aborto é, simplesmente, despenalizado.
Mas há mais, senhor presidente: Se o governo financia a morte da sua própria “sementeira” é justo que depois retire a quem apostou na vida, se esforçou e produziu boa colheita, se tornou “rico” e “acumulou riqueza”, e dê ao outro, ao irresponsável, àquele que andou na farra e à boa vida, que abortou, hipotecou a colheita e ficou sem nada? Isto é que é justiça social? Não é razão mais do que suficiente demitir um governo irresponsável, hipócrita e que governa a favor da morte?
6. Acabar com a precariedade laboral? – Senhor presidente, o senhor António Costa prometeu dinamizar as empresas, aumentar o rendimento das famílias e acabar com a precariedade laboral. Em Março afirmou que o país já respirava normalidade e que os reformados não precisavam de se preocupar com a insegurança das suas reformas. Tem-se vangloriado com a descida do desemprego nos últimos meses e tenta mostrar que tudo segue em bom ritmo e de vento em popa. Mas, eu não embarco nesse optimismo. Os números do desemprego são enganadores. O país está despovoado devido à emigração. O emprego jovem continua acima dos 20%. Se o país aparenta alguma normalidade e se o turismo tem prosperado, etc., isso não é mérito do governo que aproveita essas situações para aplicar mais impostos, mas deve-se à capacidade das pessoas em resolver os seus problemas, ao seu espírito empreendedor e ao avanço tecnológico de que dispomos hoje.
A verdadeira precariedade começa no ventre materno. Como é que o senhor primeiro ministro pode apregoar “É tempo de confiança” se promove o desprezo pela primordial confiança que devia ser garantida no ventre materno onde nasce a vida? Essa é a confiança fundamental, indiscutível na vida. Um ser humano que não tem a certeza que vai nascer configura a maior de todas as precariedades e desconfianças. Mas, uma criança que nasce começa por dar emprego aos próprios pais e, com o tempo, cria uma série de empregos, em cadeia. Muitas crianças criarão inúmeros empregos. Só assim se pode acabar com a precariedade laboral.
O senhor presidente já consultou os números do aborto, o seu orçamento e já enumerou as suas consequências? Da pouca informação que encontrei, verifiquei, por exemplo, que em 2012 foram realizadas 18615 interrupções de gravidez, em 2013, 17728 e em 2014 registaram-se 16039, nas primeiras 10 semanas, por opção da mulher, que representaram, em média, 97% do total de abortos, por outros motivos. Não sei quanto dinheiro se gastou, mas imagino que esse dinheiro daria para salvar muitas vidas e pagar muitas cirurgias urgentes, muitos tratamentos de doenças graves, muitas consultas de diversas especialidades como as do dentista (eu que o diga, preciso urgentemente de avultados tratamentos), etc.
Os milhares de crianças que não nasceram iriam encher muitas salas de jardins-de-infância, de escolas básicas e secundárias e, por isso, dariam emprego a muita gente. Provavelmente, muitas destas crianças seriam futuros génios nas diversas áreas de actividade, teriam ideias brilhantes para resolver problemas políticos e sociais que ainda existem, (como o aborto e a eutanásia) que ninguém resolveu e nos continuam a afectar.
A falência dos bancos, das empresas e da economia em geral, para além de outros factores como a corrupção, é, fundamentalmente, consequência da falência da vida no ventre materno. Os bancos e as empresas precisam de clientes. Os clientes não são cães nem gatos. Coitadinhos dos cães, dos gatos e dos touros! “Mas, as crianças, senhor, porque lhes dais tanta dor?! Porque padecem assim?!”
Como é possível acabar com a precariedade laboral, para quê fazer manifestações contra a precariedade, criticar as empresas, os empresários e os patrões se é o próprio governo que fomenta essa precariedade ao pôr em prática políticas abortivas? Senhor presidente, isto é ou não é mais uma razão forte para demitir este governo?
7. Código de conduta ou corrupção oficializada? – Quanto vale a honra e a dignidade dos membros deste governo depois de elaborado e aprovado um código de conduta que permite a um governante receber prendas até ao limite de 150 euros? Que princípios éticos norteiam a acção deste governo? O que vale a honra e a lealdade dos membros deste governo proclamadas na cerimónia de juramento de tomada de posse? Desde quando é que os valores éticos são quantificáveis? Como é possível que este governo possa definir e quantificar a sua honra e a sua dignidade como se fossem valores venais? Como pode um governante agir com a mesma isenção e transparência em relação a quem lhe oferece ou não oferece prendas?
Senhor presidente, como é possível manter um governo que, na prática, oficializou a corrupção? Se este governo já está fragilizado devido à sua ilegitimidade e se chegarmos ao ponto em que cada governante possa ter uma lista de entidades sobre as quais não pode exercer qualquer poder ou aplicar qualquer resolução, para que serve este governo? O que é que esses governantes estão lá a fazer? Pode o senhor presidente pactuar com um governo sem moral e sem ética que se deixa vender, que trabalha “à peça”, em part-time, que caminha receoso, de “cara tapada”, em campo minado por si próprio, sem poder pôr os pés em qualquer sítio, que não tem autoridade legítima e moral e age sem transparência e isenção?
É por tudo isto e porque mentiu descaradamente, o que é imperdoável, que eu não tenho qualquer confiança neste primeiro ministro, António Costa. Se ele mentiu o que havemos de esperar de todos os membros do seu governo? Se o chefe mente por que não hão-de mentir também os seus súbditos? “Quem mente uma vez mente sempre”. Quando “tomou de assalto” o poder deu a entender que conhecia a situação real do país, sabia as dificuldades que iria encontrar e teria uma solução para tudo. Afinal, “a montanha pariu um rato”.
Por outro lado, é um governo sem coesão, sem liderança, sem projecto e com várias demissões pelo caminho. Desmorona-se como uma arriba instável e a meter água. Governa à vista, por cabotagem, lança medidas avulsas para tapar buracos, sob as ordens de quem mais grita ou bate o pé e tenta puxar a manta de retalhos para tapar os pés enquanto descobre os ombros. Quando vier o frio, a sério, não haverá austeridade que valha e o país transformar-se-á numa múmia paralítica.
8. Governo de esquerda ou bando de oportunistas? – Senhor presidente, afinal o que é um governo de esquerda? É um governo sem legitimidade, que vende ilusões e não cumpre o que promete, que confunde liberdade com hedonismo, que se aproveita do poder para se banquetear com os amigos e confunde o bem estar pessoal com a realidade miserável do país?
A esquerda do séc. XVIII e XIX surgiu para defender os mais pobres (o 3.º estado) da exploração das classes privilegiadas, por um lado, que lhes impunham pesados impostos mas viviam faustosamente e, por outro, da ganância dos “bosses” que lucravam fácil e exponencialmente com a mecanização da indústria, à custa de mão de obra barata, escrava, proletária, em condições miseráveis, homens, mulheres e crianças, catorze, quinze ou dezasseis horas diárias.
A esquerda actual vive instalada no conforto capitalista que combateu no passado. Exige repartir o bolo, em nome da igualdade, independentemente do mérito, eliminando e combatendo o estímulo natural de quem sabe e gosta de produzir, dando lugar à fome quando o bolo acabar. Hoje limita-se a atacar o “patronato reaccionário e explorador”, os “latifundiários”, o “grande capital, os grandes grupos económicos” e “todos aqueles que se esforçam em poupar e acumular riqueza” e, com esta lenga-lenga do papagaio, iludiu milhares de pessoas e destruiu grande parte da indústria e da economia ao longo de quarenta anos. No tempo do escudo, o sucesso das conquistas sindicais, por melhores salários que se anunciavam, infalivelmente, no fim de cada ano, não passavam de uma grande ilusão devido à enorme inflação que desvalorizou tanto o escudo e lhe reduziu tanto o tamanho que já mal se podia ver a olho nu, só à lupa. Os aumentos inflacionados calavam o descontentamento, atirando o país ainda mais para a miséria e obrigando a trabalhar mais, em oposição à disciplina sindical, o que arruinava e debilitava mais a economia.
Com a chegada do euro, não podendo desvalorizar a moeda, as conquistas salariais deram lugar a derrotas, cortes e austeridade. Esta esquerda, sem ética e sem escrúpulos, aliada à corrupção, passou de “presa a predador” e, em vez de servir o povo e o país tem feito o contrário para benefício próprio, da família e dos amigos. É uma ideologia que ataca quem produz, identifica um patrão com um ditador, apodera-se dos lucros como troféus de suposta justiça social e semeia o caos, a miséria e a fome. Senhor presidente, o país está quase todo vendido ao estrangeiro e este governo perpetua as condições para uma economia débil, moribunda, improdutiva e anémica, incapaz de fazer face à globalização e, por isso, a maior parte das nossas empresas, as maiores e mais lucrativas e não só, já não nos pertencem. Portugal é, hoje, uma placa giratória para benefício da economia mundial, sem rosto, um cais ao serviço dos capitalistas estrangeiros que importam e exportam, enquanto os portugueses ficam a ver navios e só lhes resta emigrar.
Hoje não há verdadeiros partidos de esquerda. A esquerda só sobrevive no meio da prosperidade alheia de que se aproveita, tal como as ervas daninhas que crescem viçosas, mas oportunistas, à custa do estrume das plantas cultivadas para as asfixiarem e dominarem. Chegámos a um ponto em que já não “há vida para além do défice” mas eu luto e acredito que haja vida numa verdadeira democracia, para além deste sistema podre, de falsa esquerda, em que vivemos. Que democracia é esta que não garante que quem ganha as eleições tenha o legítimo direito de governar e de levar o seu mandato até ao fim, dando preferência a oportunistas e manipuladores? Para quê apelar ao voto (“o voto é uma arma?”), se os resultados das urnas podem ser manipulados pelo parlamento à revelia da vontade soberana do povo? Que constituição é a nossa que permite este desrespeito pela vontade popular? Que valor tem o refrão: “o povo é quem mais ordena” se o parlamento não respeita o veredicto das urnas? Democracia é um regime sem regras, sem disciplina, sem rigor, uma anarquia em que tanto faz ganhar como perder as eleições? Por que razão a abstenção atinge valores tão elevados? O que é que o povo diz: “Eles são todos iguais?!”
Não é verdade, senhor presidente, que para além de demitir este governo, é preciso refundar a democracia e rever a constituição?
9. Conclusão – Esta carta já vai longa. Admito que me repeti, aqui e ali, mas pretendi apenas clarificar algumas ideias. Para concluir, senhor presidente, este governo tem pés de barro. O senhor primeiro ministro é como um adolescente que se põe ao volante do carro do pai, feliz e satisfeito, viaja para onde quer, convida quem quer e pensa que a vida é um mar de rosas. Quando o carro ficar com o depósito vazio, o dinheiro se acabar e precisar de reparações, adeus felicidade. Se um dia tiver que gerir os negócios do pai, em pouco tempo, cairá na insolvência. A única solução é “vender os anéis”, se for honesto, e começar tudo do zero. A austeridade não será uma opção mas uma obrigação, uma necessidade ou uma imposição.
Esta carta não tem nada de ideológico, partidário ou tendencioso. Apresenta um conjunto de argumentos que são puras verdades sobre os grandes defeitos deste sistema, deste regime e desta anarquia que desgoverna o país em benefício de quem exerce ou tem exercido o poder ou se encontra na sua esfera de influência.
O que vale apelar ao consenso se todos os partidos consentirem em caminhar para o abismo? Neste cenário de falsidade, de mentira e de hipocrisia como pode “querer a Fortuna esperança de algum contentamento”? Que sucesso se pode obter com base na falsidade? É preciso procurar a verdade, apesar de sabermos que já nem nas ciências exactas se encontram critérios de verdade e de objectividade absolutas. Mas, se no futebol se procura a verdade desportiva, porque não havemos de defender a verdade política originária, a partir das urnas? Sabemos que o calcário se identifica pela acção do ácido sulfúrico, que, pela descoberta de Newton, todos os corpos exercem entre si uma força de atração directamente proporcional às suas massas e inversamente proporcional ao quadrado das distâncias e que o calor dilata os corpos e purifica os metais. Mas a política não pode nem deve ser uma simples subjectividade ou anarquia, em que cada um diz e faz o que lhe apetece. A matemática é a ciência mais rigorosa e democrática que existe e permite, a todos sem excepção, ao pobre e ao rico, fazer contas e tomar consciência da desigualdade e da injustiça que há nas diferenças escandalosas de quem ganha o ordenado mínimo e de quem ganha dezenas ou centenas de ordenados mínimos por mês numa República que pugna pela igualdade. Queremos um governo que saiba criar riqueza para acabar com a pobreza e que não destrua a riqueza já criada para pôr toda a gente na pobreza. Está mais que provado que este governo não sabe criar riqueza, limita-se a consumir e a tributar as reservas, ou seja, serve-se oportunisticamente da riqueza já criada e por isso deve ser demitido. A minha confiança no senhor António Costa é inversamente proporcional ao carácter optimista e voluntarioso que aparenta. Não podemos cair na ilusão.
Ao longo das últimas décadas, os nossos políticos não venderam só os “anéis”, mas terão vendido também “a alma ao diabo” e em vez de servidores do povo tornaram-se caixeiros viajantes ou turistas profissionais de luxo, pagos pelo povo, que continuam a vender tudo o que pode dar lucro ao estrangeiro: empresas, bancos, seguradoras, etc., esquecendo e desprezando a “prata da casa”, o valor e o talento dos nossos empresários, dos nossos profissionais, dos nossos licenciados e de todo o povo. Que legitimidade tem o senhor primeiro ministro para leiloar o país? Quem é que lhe conferiu o mandato e a autoridade? Quanto já foi gasto, em viagens pelo mundo ao longo de várias décadas, para “atrair investimento estrangeiro” e qual o retorno dessas viagens, se cada vez estamos mais pobres e mais endividados? Para quê fazer negócios na China (já foi “chão que deu uvas”) se temos cá gente com valor, com capacidade e competência para tomar conta das nossas empresas e ajudar a construir um país mais próspero, mais justo e mais harmonioso, em vez de emigrar?
É provável que o senhor presidente não leia esta carta, a ponha na gaveta do esquecimento, a deite para o lixo ou faça o mesmo que fez com a anterior que nem sequer se dignou dar-me uma resposta. Não falo aqui de faits divers”, mas da verdadeira realidade que está para além das aparências. Desde a Antiguidade que o senso comum, baseado nas aparências, afirmava que o Sol andava à volta da Terra. Galileu foi obrigado a abjurar mas era dos poucos que tinha razão. Espero que o senhor presidente se liberte da “profana inquisição” que hoje teima em esconder a verdadeira realidade política e não vote ao desprezo alguns dos seus concidadãos que queiram contribuir para a resolução dos verdadeiros problemas do país.
Temos que inverter esta rota de decadência e de pobreza e exigir timoneiros competentes ao leme. Vasco da Gama apresentou Portugal ao rei de Calecut como “cabeça, ali, da Europa toda”. É imperioso fazer jus ao nome e não podemos permitir que, hoje, a Europa nos subjugue. Portugal, como parceiro de uma União de Estados soberanos e independentes, não pode ser prejudicado com normas, directrizes e imposições antidemocráticas e injustas. Se a UE nasceu das cinzas da Europa (como a lendária Fénix), com uma vontade comum de acabar definitivamente com a guerra e construir a paz, começou por impor cortes (quotas) na produção de metais (carvão e aço) para o fabrico de armas mas, suponho, não impôs quotas de produção agrícola, de produção de leite e outros produtos essenciais à vida. A Europa tem que voltar às suas raízes, aos seus princípios e para isso é preciso coragem e bom senso na defesa de valores que favoreçam todos os seus membros. Se a Europa se desviou dos seus princípios fundadores é tempo de arrepiar caminho e isso só está à altura de que tem capacidade para comandar os destinos dos povos, os verdadeiros filósofos.
Infelizmente, parece-me que a classe política em geral, cá e lá, se preocupa mais com protagonismo, viagens, recepções, cimeiras, eventos desportivos, etc. onde, por vezes, vemos um político que perdeu as eleições, no papel de primeiro ministro, sem mérito, a aplaudir um atleta que, com todo o esforço, e coragem mereceu ganhar uma medalha de ouro e o título de campeão. É um sinal de grande hipocrisia querer colmatar e abafar os desaires políticos e a incompetência com os triunfos desportivos.
Senhor presidente da República, faço um apelo a V. Excelência, à capacidade de análise e de compreensão, ao estatuto de independência e de isenção, como supremo magistrado da nação, para que tome esta importantíssima decisão de demitir este governo para bem de todos os cidadãos deste país e das gerações futuras. Este governo não merece o benefício da dúvida e, na minha opinião, não podemos ficar no “logo se vê”, “esperamos manter o défice”, “esperemos que a UE não nos corte os fundos”, etc. Dos nove pontos em que dividi esta carta, qualquer um deles seria razão mais do que suficiente para demitir o governo. Sou um simples cidadão, mas autonomeei-me “deputado virtual”, tipo e-learning, em nome dos 44,14% dos cidadãos portugueses que por qualquer motivo não puderam votar, talvez porque foram forçados a emigrar ou se encontravam a trabalhar, etc.
Senhor presidente, os problemas que os portugueses enfrentam no seu dia a dia são bem reais e exigem uma decisão firme.

António Oliveira