quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Obviamente, detido.



Obviamente, quem esperava outra coisa? Já devia estar detido há mais tempo. Como é que eu, à distância, sem nunca ter convivido de perto com ele, já tinha a convicção de que este senhor era um suposto criminoso, e a maior parte das pessoas do partido, do governo e de outras áreas nunca se tenha apercebido disso? Ninguém viu os casos, as suspeitas e as acusações em que ele se viu envolvido ao longo de toda a sua actividade política? Ninguém deu importância ao seu autoritarismo e à sua fuga aos jornalistas para esclarecer, tranquilamente, as dúvidas relativas a essas actividades, já que se afirmava inocente? Se se considerava inocente por que é que não falava abertamente e sem rodeios de todos esses casos?

Como é possível que o mais alto magistrado do Supremo Tribunal de Justiça tenha protegido este senhor? Que consequências devem ser retiradas da sua actuação perante um suposto criminoso que foi apanhado em escutas sobre acções que configuravam um suposto atentado contra o estado de direito pelo Procurador do Ministério Público de Aveiro? Que consequências devem ser assumidas pelos actores da justiça que o investigaram e arquivaram todos os processos, deixaram prescrever alguns, deixaram vinte e sete questões para lhe fazer e afirmaram que nunca detectaram quaisquer indícios de corrupção, tráfico de influências e outros crimes de que agora é indiciado?

Como é possível que uma autarquia o tenha premiado com a chave de ouro da cidade, recentemente, sem que tivesse vislumbrado, em toda a sua carreira política, indícios de falsificação e de corrupção?

Como é possível que os actuais dirigentes do seu partido queiram fazer um branqueamento de toda a sua suposta prática político-criminal altamente lesiva da economia do Estado e das gerações futuras, com base numa simples distinção entre o poder político e o judicial? Se um governante desempenhar uma prática política criminosa do ponto de vista do poder judicial, os seus colegas de partido podem ficar de consciência tranquila como se nada fosse?

Como é possível que o patriarca da família política o tenha visitado na cadeia, num dia em que as visitas são proibidas e tenha proferido acusações contra o poder judicial por ter detido, preventivamente, um cidadão suspeito de crimes graves?

Como é possível que este patriarca da mesma família política tenha afirmado que a prisão de um suposto criminoso é uma infâmia, desrespeitando, assim, a independência e a legitimidade do poder judicial como um dos três poderes do Estado?

Como é possível que este senhor, patriarca da mesma família política tenha afirmado que este caso é de natureza política quando estão em causa supostos crimes de natureza económica e fiscal?

Se o patriarca da mesma família politica se identifica e defende um hipotético criminoso, que conclusão devemos retirar desta atitude?

Muitas pessoas criticaram o mediatismo e o espectáculo mas, não vivemos hoje numa sociedade da informação dominada pelos meios de comunicação social? Como é possível tapar o sol com uma peneira? Como é possível ignorar que um ex-primeiro ministro (não é um cidadão anónimo qualquer) tenha sido detido para interrogatório? Não vivemos hoje num estado de liberdade ou estaremos perante um regime de censura que nos impede de ver o que se passa à nossa volta? O arguido foi humilhado por ter sido detido antes de chegar a casa? Quem pode saber quais as verdadeiras razões desta detenção?

Provavelmente o próprio arguido já não tinha por onde escapar e por isso, vendo-se na impossibilidade de manter esta vida dupla, de crimes vários, decidiu que a prisão seria um descanso e a única oportunidade de recuperar a qualidade de vida.

Alguém julga que este senhor, homónimo de um dos maiores filósofos gregos, que agora também decidiu dedicar-se à Filosofia, esteja inocente e se queira comparar com ele, numa injusta condenação à morte pela cicuta?

sábado, 22 de novembro de 2014

A detenção de Sócrates e o azeite



Diz o povo que “a verdade é como o azeite, vem sempre ao de cima”. Estamos no tempo da colheita da azeitona, das fainas dos lagares e daqueles ambientes tradicionais em que se prova o novo azeite com bacalhau, com batatas a murro, bacalhau assado na brasa, ao calor fornalha enorme de ferro dos lagares mais antigos, porque os modernos utilizam outros processos. O azeite novo faz sentir emoções renovadas, com os velhos sabores e paladares de sempre, misturados com a broa, as couves e outros produtos da terra. Toda a gente sabe que o azeite não se mistura com a água, deixando as águas ruças no fundo das cubas do lagar. Se misturarmos azeite e água num copo acontece o mesmo. Sendo a água mais densa, o azeite permanece na parte superior e por isso se diz que “o azeite vem sempre ao de cima”.

O azeite novo precisa de tempo para ficar limpo e separado da borra. Ao fim de algum tempo, meses e/ou anos, a borra fica no fundo e o azeite mostra toda a sua cor e sabor com no seu esplendor. Na vida, a dificuldade em descobrir a verdade sobre casos obscuros requer, por vezes tempo, como acontece com o azeite.

Mas o azeite de que se fala, hoje, na política portuguesa é de colheitas mais antigas. Este azeite, depois de assentar, ficou mais límpido e transparente mostrando a sua cor natural e a sua verdade. O problema é que este azeite foi sempre demasiado ácido e rançoso, que tem provocado enormes dores de estômago a toda a gente que vive debaixo de uma forte austeridade, de borra negra e pestilenta que tem por cima uma enorme cuba cheia de azeite que sabe a fel, cuja verdade se pretende apurar com a detenção do ex-primeiro ministro José Sócrates.

Já que o azeite rançoso não serve para a alimentação, ao menos que sirva para manter acesa a lamparina da justiça portuguesa e para que os portugueses não percam o rumo do futuro. Talvez esta pequena lamparina possa ser a pequena luz ao fundo do túnel que se apagou há vários anos sob os ventos da corrupção, da perversão e da falsidade.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Licenciados a mais?



É estranho alguém afirmar que um determinado país tem licenciados a mais e por isso é que tem também um elevado nível de desemprego. Sempre ouvi dizer que “o saber não ocupa lugar” e que “é bom saber de tudo e usar o melhor” ou “uma boa formação cultural é a condição para a liberdade e autonomia”. Nos tempos modernos, com a evolução das ciências e da tecnologia tem sido possível fazer com que a maioria da população de um determinado país, no mundo ocidental, tenha acesso à escola para que possa conhecer-se a si próprio, conhecer o mundo à sua volta, o pensamento e as obras dos seus antepassados e as linhas que projectam o futuro. A luta contra a ignorância tem sido um dos objectivos principais da modernidade.
Ouvir alguém dizer que há licenciados a mais e que a formação profissional é suficiente para viver e para resolver o problema do desemprego, leva-me a concluir que basta saber apertar um parafuso, manobrar uma máquina, conduzir um veículo, lidar com a informática ou cortar bem um bife para o cliente. Basta formar bons animais de trabalho, eficazes e subservientes, que não protestem, que não reclamem e que não pensem pela sua própria cabeça.
Quem pensa que há licenciados a mais é porque pretende que o povo continue na ignorância para que possa ser mais facilmente manipulado e escravizado. É a política da prepotência e da incompetência que não tem capacidade para resolver os verdadeiros problemas de um país e que não tem resposta para novos desafios e para uma cultura diferente e/ou superior.
Quem afirma que há licenciados a mais é porque pensa que eles podem vir a ser uma ameaça para o poder político inculto e atávico, prisioneiro dos limites da incompetência e do preconceito.