Carta aberta ao presidente da
República
O cartel da promiscuidade na
campanha eleitoral
Exmo. Senhor, Professor Dr. Marcelo
Rebelo de Sousa
Há bastante tempo que não dirijo uma
carta para V. Exa. o que não significa que não tenha tido motivos para isso. De
facto, V. Exa. nunca me respondeu e atendeu às minhas solicitações. Sinto-me,
por isso, na expectativa de que mais uma vez serei votado ao desprezo. Apesar
de tudo, não quero calar a minha indignação perante a anarquia, o oportunismo e
o desrespeito pelas mais elementares regras de um Estado de Direito democrático.
Já por diversas vezes, em missivas
anteriores, pedi a V. Exa. que demitisse este governo e apresentei razões
fortes para isso. Cheguei à conclusão que deveria ter pedido que V. Exa. se
demitisse, também, porque tem sido um poder negativo, uma simples figura
ornamental.
Aproxima-se o dia das eleições e o
primeiro ministro já anda em campanha eleitoral há n tempo com direito de
antena diário em todos os canais de televisão e de rádio, de forma prepotente,
como se não houvesse mais candidatos. A comunicação social já o coroou de
glória declarando-o como vencedor das eleições com mais de um mês de
antecedência. Era o que se dizia sobre o anterior regime: Salazar ganhava
sempre, antecipadamente.
V. Exa., como presidente da
República não tem nada a dizer sobre este escândalo de favorecimento e de
promiscuidade entre a comunicação social e o poder político? Se o presidente da
República deve fazer cumprir a Constituição e deve garantir o funcionamento
regular das instituições não encontra nada de estranho e de irregularmente
grave em toda esta pré-campanha eleitoral? Para que serve a Constituição, a lei
eleitoral, a Entidade que regula a Comunicação Social, a Comissão Nacional de
Eleições, etc.?
As leis não estão a ser cumpridas e
as entidades que deveriam agir permanecem mudas e caladas. E V. Exa.
desapareceu do mapa?
A Constituição da República
Portuguesa afirma, no art.º 113.º, n.º 3, o seguinte:
As campanhas eleitorais regem-se pelos seguintes princípios:
a) Liberdade de propaganda;
b) Igualdade de oportunidades e de
tratamento das diversas candidaturas;
c) Imparcialidade das entidades públicas
perante as candidaturas;
d) Transparência e fiscalização das
contas eleitorais
V. Exa. considera que a Constituição
tem sido cumprida em todas estas alíneas?
Quanto à alínea a) Liberdade de
propaganda – só existe liberdade, real, de propaganda se os meios forem iguais
para todos? Quem é que pode garantir que o Dr. António Costa, como líder
partidário, se serve só do património pessoal ou do partido para fazer campanha
e aparecer todos os dias na televisão? Quem é que pode atestar que não estão a
ser usados meios do Estado para favorecer uma campanha partidária? Quem pode
garantir a liberdade de propaganda se todos os partidos concorrentes não têm
acesso aos meios de comunicação social?
Estas questões remetem-nos já para a
alínea d) Transparência e fiscalização das contas eleitorais – quem é que
fiscaliza todas as despesas de pré-campanha do secretário geral do PS? Quem paga
todas as despesas de campanha do PS e dos outros partidos que aparecem todos os
dias na televisão?
Quanto à alínea b) Igualdade de
oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas – salta à vista de
todos que não está a ser cumprida. A comunicação social, particularmente os
canais de televisão, só tem apresentado propaganda e debates de alguns
partidos, os que já ocupam os órgãos de soberania. Mas como diz a lei, todos
devem ter igualdade de oportunidades. Há uma lista enorme de partidos
concorrentes às próximas eleições de 6 de Outubro mas a comunicação social não
lhe dá voz, os portugueses não têm acesso à informação a que têm direito e por
isso estão limitados na sua liberdade.
A alínea c) também não está a ser
cumprida. Não há imparcialidade das entidades públicas e das instituições
perante os candidatos que se apresentam a sufrágio no dia 6 de Outubro. V.
Exa., senhor presidente da República, não toma nenhuma atitude perante tudo
isto?
A campanha eleitoral nem sequer
começou, a pré-campanha não está regulamentada e, por isso, não deveria existir
ou, existindo, deveria ser alargada a todos os partidos. Não há aqui uma enorme
injustiça?
Há dias, no princípio deste mês de
Setembro de 2019, os bancos, que exercem actividades em Portugal, foram alvo de
uma coima no valor de 225 milhões de euros por terem trocado informações entre
si, prejudicando os clientes e consumidores. Afinal não temos só o cartel da
banca. Temos o cartel da comunicação social, dos canais de televisão, que no
dia 16 de Setembro transmitiram em simultâneo e em directo, o debate frente a
frente entre António Costa e Rui Rio. Quem é que podem autuar este cartel tão
perigoso para a democracia e para a liberdade de todos os cidadãos? Que poder,
que autoridade tem o presidente da República se não fizer nada contra este
cartel que destrói toda a liberdade e uma réstia de democracia que possa
existir?
Os portugueses estão a ser
prejudicados por vários cartéis e, os órgãos de soberania, a começar pelo
presidente da República, parecem alheios a todos estes enormes obstáculos à
liberdade, à dignidade e aos mais elementares direitos de um Estado de Direito
democrático.
Surgiram, recentemente, notícias de
que o programa “Sexta às 9” da RTP1 foi silenciado. Será verdade? Se for
verdade, não estamos perante um verdadeiro caso de censura? Outros casos de
jornalistas da TVI terão sido alvo de repressão semelhante. É preciso
investigar e apurar tudo isto. Um Estado de Direito democrático não deve
defender a transparência, custe o que custar? Afinal, quem pode garantir a
liberdade tantas vezes prometida?
Voltando a um tema abordado por mim
anteriormente e que continua a destruir o país, V. Exa. não tem nada a dizer
sobre aquilo que parece mais um enorme cartel – o cartel do fogo? Salta à vista
de todos que a maior parte dos fogos é de origem criminosa, começam de
madrugada e consomem sempre enormes áreas e muitas pessoas ficam na ruina.
Continuamos à espera das conclusões – “É preciso apurar tudo até ao fim”. Se a
praga dos incêndios continua, o que falta ainda apurar, senhor presidente?
Apresento a V. Exa. os meus melhores
cumprimentos.
António de Jesus Oliveira
18-9-2019
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