Crime
incendiário = crime político = demissão do governo?!
Carta aberta ao
Presidente da República
Exmo. Senhor Presidente da República,
Prof. Doutor
Marcelo Rebelo de Sousa,
É agora que V.
Excelência vai demitir o governo e dissolver a Assembleia da República? Já
apresentei muitas razões para isso e o tempo tem-me dado toda a razão. Desta
vez o argumento é fortíssimo. Há décadas que muito se tem escrito e falado
sobre as causas dos incêndios em Portugal, recentemente formulei muitas
questões, dúvidas e interrogações, em cartas anteriores e a minha convicção é de
que os incêndios são, maioritariamente, de origem humana e intencional,
portanto, criminosa.
Parece-me que há
quem queira branquear
estes graves crimes lançando a ideia, como verdade oficial, de que a maioria dos
incêndios tem origem
negligente e involuntária e, como tal, isentos de responsabilidade, ficando
impunes. Esse tem sido o discurso da maior parte dos políticos
no poder nas últimas décadas. Apelo, por isso, ao senhor presidente da
República para que tome uma atitude firme contra a falsidade que nos querem
impor, atirando poeira ou fumo para os olhos. Em algumas notícias recentes
transpareceu essa ideia, reforçada pela intervenção de alguns psicólogos, de
que os incêndios tiveram, maioritariamente, uma origem humana, mas negligente
muitas vezes associada a um quadro de deficiência
mental e alcoolismo. Não podemos aceitar esta trapaça, isto é, que no nosso
país haja tanta negligência, uma negligência sistemática, repetida a cada
minuto que passa, de noite e de dia, na Beira Baixa, em Trás-os-Montes, na
Beira Alta, no Minho, no Alentejo, etc. Parece-me que a negligência tem as
costas excessivamente largas. Não podemos aceitar que todos os anos, no Verão, o
país se transforme num mega manicómio que lança fogo às florestas.
Alguns políticos
da oposição falam em má coordenação
da Protecção Civil, outros, nas falhas do SIRESP, no abandono do Interior, na ausência
de sapadores florestais, nos interesses económicos, no desordenamento florestal,
na meteorologia, etc., talvez seja tudo isso, mas parece-me que ninguém está
interessado em procurar a verdade, em pôr o dedo na ferida, isto é, em procurar
e revelar quais as verdadeiras causas e motivações do crime incendiário
sistemático. A quem interessará ocultar a verdade para que tudo fique na mesma
e todos os anos se repita a mesma calamidade incendiária? Porque é que o
primeiro ministro receou perder popularidade e encomendou
uma sondagem? Porque é que algumas notícias
em Espanha previram a queda do governo?
Depois da
tragédia de Pedrógão Grande os órgãos de informação deram grande destaque a um
facto importante que, alegadamente poderia estar associado a graves falhas da
Protecção Civil e que, por isso, poderia explicar tão grande número de vítimas
mortais. Esse facto foi a substituição,
pelo governo de grande parte das chefias
da protecçao civil pouco antes do Verão. Depreendo que os comandantes
nomeados não tinham competência ou preparação para desempenhar as novas funções.
De facto, os incêndios multiplicaram-se em Junho, tal como em Julho e Agosto de
uma forma nunca vista em quantidade e violência de tal modo que muitas
povoações ficaram rodeadas pelo fogo, muitas casas arderam apesar dos fortes
dispositivos de combate no terreno e alguns concelhos ficaram com a quase
totalidade da sua mancha verde reduzida a cinza. Mas, como se explica que a
incompetência ou falta de preparação dos novos comandantes tenha dado origem a
mais incêndios e a incêndios mais ameaçadores? Como se explica que,
alegadamente, uma maior incompetência da Protecção Civil tenha resultado em
mais negligência das populações a fazer churrascos ou a usar máquinas? Ou será
que, alegadamente, os comandantes destituídos, ou alguém por eles, tenha
cometido algum acto de vingança como retaliação à sua destituição?
Não me parece
que a grande onda de incêndios deste Verão, evidenciada em pavorosas
reportagens televisivas, se possa enquadrar em puros actos de negligência, em
que muitos incêndios começaram
de madrugada, alguns autarcas suspeitaram
de mão criminosa mesmo que tivessem começado de dia, muitos reacendimentos
também pareceram muito estranhos e a maioria apresentava várias frentes de
grandes proporções logo de início. Estou convencido de que as altas
temperaturas, a seca e a negligência não justificam esta enorme vaga de
incêndios, às dezenas ou centenas, diariamente. Perante esta análise, é
legítimo que tenha que haver mais alguma causa ou explicação para tudo isto:
terá havido vingança política, do género: “vê lá se sabes coordenar o combate
ao fogo melhor do que eu?” – enquanto os incêndios deflagravam acima, abaixo,
ao lado, mais além, no vale , na montanha, junto da povoação e sempre de forma violenta
e ameaçadora. Estaremos, por isso, perante um crime político que o poder
político sempre quis ocultar com a ajuda dos outros poderes do Estado e de toda
a comunicação social subserviente e ainda com a desculpa de que o poder
político não interfere no poder Judicial? Esta hipótese não pode ficar na
gaveta como tem acontecido todos os anos com a investigação ao crime
incendiário porque, apesar de terem sido detidos dezenas de alegados
incendiários não me lembro de terem sido tornadas públicas as sentenças e as
medidas para evitar reincidências. Esperemos, desta vez, que a promessa de que
tudo será investigado até às últimas
consequências, seja cumprida.
Aliás, estando
eu já a alinhar o rascunho desta carta surge a notícia de que noventa
e sete por cento dos crimes incendiários são arquivados e os restantes três
por cento levam penas leves e/ou suspensas. Relacionando tudo isto, parece-me
que as peças do puzzle começam agora a encaixar umas nas outras, senhor presidente.
Todos os crimes
de incêndio são negligência; Nenhuma negligência é investigada por que não é
intencional; Logo nenhuma investigação incide sobre os crimes de incêndio. Tudo
é negligência, nada é crime e por isso não é preciso investigar nem castigar. Não
é por isso que a Judiciária se apressa a confirmar a negligência ou causa
natural para que o primeiro-ministro vá de férias descansado enquanto mais
tarde, marca presença em Barcelona para homenagear as vítimas do terrorismo porque
ali, houve mesmo crime? Não é por isso que nenhum incendiário é preso e
castigado? Não é por isso que os incendiários agem sempre por
motivos fúteis, são libertados e o processo arquivado? Não tem sido sempre
assim desde há décadas, em que o país arde e ninguém é responsável porque a
liberdade política é sinónimo de impunidade e os fins justificam sempre os
meios? Basta um pequeno relance:
Não é verdade
que em nome da liberdade política, se pode matar,
assaltar bancos, cometer
atentados bombistas, levar o país à bancarrota e os bancos à falência, destruir
escutas telefónicas validadas por um juiz de Aveiro sobre o crime de alegado
atentado ao Estado de Direito, condenar
e castigar elementos das forças
de segurança e libertar os criminosos, manter o Poder Judicial (sem
recursos materiais e humanos) refém do poder político, etc.?
Não é nesta
lógica de ocultar a verdade, senhor Presidente, que o primeiro ministro tenha feito
recentemente um apelo a toda a classe política e principalmente à oposição para
que não fosse quebrado o consenso nacional sobre o aproveitamento
político da tragédia dos incêndios que V. Excelência também subscreveu? Que
significa esta atitude? Porquê este pacto de silêncio de toda a classe
política, de comentadores políticos, dos partidos, dos deputados, etc. para que
nada se saiba? Porque é que nem o PAN abriu o bico para se revoltar contra esta
tragédia humana e ambiental provocada pelos incêndios em que a natureza ficou
reduzida a cinza e muitos animais morreram ou ficaram feridos e sem habitat
para poderem sobreviver? Será que têm todos telhados de vidro? Porquê este tabu
em exigir responsabilidades políticas por uma tragédia? Não é obrigação do
Estado garantir a segurança das pessoas e bens?
Por que é que no
regime actual é impossível exigir responsabilidades políticas enquanto no
anterior os chefes do governo e titulares de órgãos de soberania foram
culpabilizados, saneados e desterrados devido às funções políticas que
exerciam? Agora que temos uma ditadura de três partidos (três partidos que
perderam as eleições) não deveríamos exigir muito mais responsabilidades
políticas? Porque é que um médico é condenado quando deixa morrer um doente e o
governo fica impune quando deixa morrer dezenas de cidadãos e o país em cinza? Não
devia pedir a demissão ou ser demitido imediatamente?
Senhor,
presidente da República, não podemos fugir aos problemas e dizer que tudo vai
bem. Se já foram presos mais de uma centena de incendiários com um perfil
psicológico, na generalidade, de deficiência mental e alcoolismo é preciso
fazer uma análise psicanalítica muito mais profunda porque o que nos é mostrado
não chega a ser a ponta do iceberg e as verdadeiras motivações ficam ocultas
não por serem inconscientes mas porque a ideologia do regime se nega a
revelá-las para não assumir a responsabilidade. O senhor Presidente da
República não pode ficar à espera que uma sentença transite em julgado, num
sistema judicial paralisado, sem meios e refém do poder político, para demitir
o governo. A Justiça julga factos e crimes mas os crimes políticos requerem uma
outra avaliação de âmbito mais elevado com base numa intuição política
superior, isenta e objectiva que permita ao mais alto magistrado da Nação tomar
uma decisão justa, imparcial e independente.
Não podemos
pactuar com mais impunidade. Todos os cidadãos são iguais perante a lei. As
vítimas mortais e as pessoas que ficaram sem casa e sem os seus bens clamam por
justiça. São milhares de hectares em cinza, são inúmeras casas destruídas, são
vidas arruinadas que ninguém pode reparar e colocar como estavam antes.
O que valem as
visitas aos locais da tragédia para distribuir beijinhos e abraços e dar
palmadinhas nas costas às pessoas que ficaram na penúria se o poder político
tem uma noção clara de que os incêndios são crimes políticos que resultam de
guerras partidárias muito mais graves do que as guerrilhas sindicais da
AutoEuropa que muito revoltam alguns membros do governo? Estas alegadas visitas
solidárias do governo e do presidente da República não são, afinal, um puro acto
de hipocrisia e uma grande palhaçada? Não é uma grande palhaçada continuar a
esconder a verdade e não permitir que se faça o aproveitamento político das
tragédias com o objectivo de ganhar eleições? Porque é que Pedrógão não pode
entrar na campanha eleitoral? É porque ralham as comadres e descobrem-se as
verdades? Pedrógão Grande não faz parte do território nacional? O que vale uma
campanha eleitoral baseada na mentira em que muitos candidatos já estão
manchados pela corrupção? A quem interessa camuflar a realidade? O que valem as
promessas eleitorais se os órgãos do poder do Estado não agem segundo a justiça
e o crime vale mais do que a honestidade?
Todos estes
males começam na Constituição, já o referi algumas vezes. É preciso uma nova
Constituição. A actual pactua com o crime, com a mentira e com a injustiça.
Basta um pequeno exemplo, o artigo 187.º que afirma que o primeiro ministro é
nomeado “tendo em conta os resultados eleitorais”. Então não havia de ter? Para
que servem as eleições? Porque é que a Constituição permite que a soma de três
derrotas vale mais do que uma vitória?
Senhor
presidente da República, a calamidade incendiária é um crime demasiado grave
para que o governo continue em funções. É imperioso dissolver a Assembleia da
República, formar um governo de salvação nacional e convocar novas eleições
para que se possa redigir uma Constituição que defenda o povo. É preciso
enfrentar a verdade. As querelas sobre o destino dos donativos às vítimas é um
problema grave mas é também uma forma de desviar as atenções do verdadeiro
problema: é ou não é verdade que o crime incendiário é crime político?
Senhor Presidente
da República, espero uma resposta urgente a esta questão em nome de todos os portugueses,
da justiça, da honra e da dignidade do povo.
Apresento a V. Excelência
os meus cumprimentos.
António Oliveira
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