sábado, 5 de dezembro de 2009

A face visível do oculto

"Não há fumo sem fogo"

Diz o povo que “não há fumo sem fogo”. No caso “Face Oculta” só se tem visto fumo, tanto fumo que não é possível ver a chama oculta. Havendo fumo, alguém fez fogo. Com certeza que quem investigou, viu o tal “fogo”. Se o “fogo” é, alegadamente, criminoso e atinge os bens de todos (“res publica”), alguém terá que ser responsabilizado.
Entidades judiciais competentes identificaram vários suspeitos e apuraram indícios de crimes ao longo de meses. Diz-se que ninguém está acima da lei mas, neste caso, a impressão visível com que ficamos é que não é bem assim. Analisemos alguns pontos com a ajuda de metáforas:
Primeiro – a validade das provas de investigação: há mais de um século que a investigação médica utiliza o raio X e hoje, processos mais modernos que permitem diagnósticos mais rápidos e verdadeiros. Mesmo assim há doenças de diagnóstico muito difícil.
Não sei que técnicas de investigação criminal se podem equiparar ao raio X ou TAC. Se considerarmos as escutas o “raio X do crime”, uma escuta telefónica, legalmente autorizada para um alvo pode tornar-se ilegal e sem efeito para outro que se colocou em frente? Se um raio X ao estômago permite ver um tumor no fígado, o médico manda o doente para casa dizendo-lhe que está de boa saúde porque o raio X era para o estômago e não para o fígado?
Segundo – o problema da privacidade: se um cidadão, candidato em campanha eleitoral, sai da sua privacidade, mostra-se, apela ao voto, compromete-se com o país, arrebata multidões, implora ao povo, entra-nos dentro de casa e da consciência, percorre cidades, vilas, aldeias, praças e avenidas a apregoar as suas ideias, se esse candidato sair vencedor como primeiro-ministro pode, eventualmente, na sua vida privada, trocar o interesse geral e nacional por interesses particulares e pessoais, servindo-se do poder que lhe foi conferido por todos? Uma figura pública de primeira grandeza pode agir e tomar decisões como um cidadão vulgar e alegar que aquilo que faz é meramente privado? Pode o pastor assaltar o redil durante a noite? Um primeiro-ministro é-o apenas em algumas horas do dia (em part time) ou no dia todo? O compromisso solene da tomada de posse (Juro por minha honra…) abrange apenas o equivalente ao horário de um funcionário público: da 9-12,30 – 14-17,30?
Pode um responsável máximo pelos destinos do país ser considerado, por uma entidade judicial competente, alegadamente, suspeito de “atentar contra o estado de direito”, em segredo, e desculpar-se que o que faz diz respeito apenas à sua vida privada, em assuntos que, porventura, digam respeito a todos, e ninguém tem o direito de saber e pedir responsabilidades? Pode o poder oficial deixar de o ser e negar-se à transparência perante todos os cidadãos com quem estabeleceu um compromisso? Essa transparência inerente ao exercício da democracia não impõe limites à privacidade de quem exerce funções de comando?
Além destas, muitas outras questões surgem, visivelmente, do oculto, tal como outros aspectos que tornam nebulosa e desacreditada a acção da Justiça, surgindo aos olhos dos cidadãos uma sequência de suspeições: um juiz considera existirem indícios graves de crime o outro conclui que nada de mal se passa. Aos olhos de um juiz os investigadores agiram legalmente, aos olhos de outro, ilegalmente. Onde está a verdadeira voz da Justiça? Onde está a independência e a unanimidade de critérios da Justiça? Não estará a Justiça a branquear um alegado crime político?
O “fumo” é a ponta do iceberg que a Justiça parece procurar manter oculto ou ignorar. As vozes críticas que, nos últimos dias, têm vociferado contra a corrupção podem ser entendidas como um aviso à navegação. Há quase cem anos o Titanic foi ao fundo, parece-me que desta vez, com o barco há largo tempo em ruína, o piloto não fará melhor.

Sem comentários:

Enviar um comentário