domingo, 24 de janeiro de 2010

Os advogados e os médicos

Privilégios



O senhor bastonário da Ordem dos Advogados criticou, fortemente, o poder político, os “sucessivos Governos e as sucessivas direcções da Ordem dos Advogados perante a proliferação escandalosa de cursos de Direito em Portugal”, na sessão de abertura do I Encontro Nacional de Jovens Advogados.
Uma crítica, assim, parece significar uma enorme calamidade. Uma pandemia de advogados seria qualquer coisa funesta e, claramente, indesejável. Uma “proliferação escandalosa de cursos de Direito” e, consequentemente, de advogados constituiria uma praga que deveria, a todo o custo, ser evitada.
Também, há poucos dias, o senhor bastonário da Ordem dos Médicos apresentou um discurso semelhante, manifestando o receio de não haver trabalho para todos os médicos, dentro de alguns anos, devido à entrada de grande número de estudantes em Medicina, a somar aos que estudam fora de Portugal, o que poderá pôr em causa os “padrões de qualidade e de ética”.
Aprendemos que, na Idade Média, o clero e a nobreza eram classes cheias de privilégios que possuíam grande parte das terras do país (os coutos e as honras) onde o povo, mais numeroso, a arraia-miúda, trabalhava, servilmente, sob a forma de escravatura, para sustentar a riqueza dos seus senhores. Hoje, a mentalidade destes senhores que mandam nos advogados e nos médicos parece não estar muito longe da Idade Média. Os franceses tomaram a Bastilha, em 1789, para proclamar a liberdade, a igualdade e a fraternidade, mas, no início do século XXI, em Portugal, parece haver quem continue a defender a exploração, a subserviência e a desigualdade.
Quem tem o direito de proibir, impedir ou limitar quem quer que seja?
O agricultor, na natureza selvagem, tem que arrancar as ervas daninhas, afastar os animais que destroem as culturas e impedir o acesso a intrusos que lhe possam subtrair as colheitas que são o fruto do seu penoso trabalho. Nem Cristo, que é Deus, defendeu que se arrancasse o joio a não ser na altura da ceifa para ser atado e queimado enquanto se separava e guardava a boa semente no celeiro. Na sementeira humana quem tem o direito de controlar ou condicionar as justas opções vocacionais e laborais que sustentam a vida e dignificam a existência? Qualquer actividade, desde que não seja criminosa e/ou prejudicial, deve ser legítima e permitida. Nesta sementeira, os médicos e os advogados julgam-se superiores a Deus?
O excesso de médicos e de advogados é um mal, em si? Quantas profissões, equiparadas aos médicos, têm, actualmente, excesso de candidatos face às ofertas de emprego existentes?
Que culpa têm os jovens advogados de terem inventado o Processo de Bolonha? Este processo é válido ou não para todo o espaço europeu?
Se o senhor bastonário da Ordem dos Advogados teme a baixa qualidade dos advogados, no futuro, que dizer dos advogados de hoje, supostamente os melhores, que não resolvem os mais famosos e mediáticos casos da Justiça portuguesa? Afinal, para quê tantos receios se com os actuais ou os futuros advogados, a justiça continuará inoperante?
O excesso de médicos pode pôr em perigo os seus padrões de qualidade? Ou não será o contrário? E os padrões éticos? Quer sejam muitos ou poucos, os médicos não têm que fazer, todos, o juramento de Hipócrates? Será que a quantidade dilui a deontologia profissional?
Estes receios existem porque não há harmonia social. A corrupção, a paralisia da Justiça e a falta de ética social são, a meu ver, as causas de todos os desequilíbrios sociais e do desemprego. É preciso competência política de quem governa, exigência, rigor e força de vontade. A justiça e a ética devem começar na política. O exemplo tem que vir de cima.

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